Texto da disciplina Ética e Legislação em Comunicação

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Por Juliana Xavier

Na universidade, quando chega a hora de encarar a temível disciplina de Ética e Legislação em Comunicação, não há quem não trema. Explicando: o professor tem uma fama de "carrasco", que cobra e exige muito dos alunos e, por isso, a cadeira é praticamente a MAIS difícil de toda a graduação. Porém, ao passar por todos os trabalhos - fichas de leitura, ensaio, casos éticos e anti-éticos, seminários - e após não aguentar mais ouvir falar em Vázquez, e não aguentar mais 'conceituar' ética e moral, eis que a disciplina chega ao fim.

Na verdade, não há nada de temível - apenas é preciso estudar e se empenhar a fazer todos os trabalhos de forma qualificada. Nada mais do que o esperado na graduação. O interessante é que, ao concluir a disciplina, ou tu ama ou tu odeia. Não há meio termo. E assim também é com o professor, Hélio Afonso Etges. Um homem de aparência frágil, de estatura pequena, porém que carrega uma bagagem intelectual enorme, e se mostra um grande professor! A disciplina proporciona muitos aprendizados, muitas descobertas, muitos desafios. E, como se tudo isso ainda não bastasse, na última aula a gente novamente é testado: temos a surpresa de um texto, escrito e lido pelo próprio professor, que de novo provoca uma reviravolta em nossas ideias. Muitos até chegam a chorar...

Quando eu passei por tudo isso, fiquei tão emocionada e tocada pelo texto, que não pude deixar de pedir para compartilhá-lo no blog. Portanto, abaixo todos podem conferir esse texto a qual me refiro. Ele traz uma enorme reflexão.

- Um dia, de repente, provamos do próprio veneno: o tempo .... o tempo ... é nossa própria armadilha.

O tempo : mesmo com a tela escura, ele conta. Ele é fração. É sem continuidade. A única coisa que conta é contar, é controlar. Os raciocínios? As sequências? Não importam! Se necessário for, precisam ser cortados, entrecortados. O importante é cortá-los e controlá-los. E não deixar tempo para pensar.

Aliás, pensar para quê? Está tudo pronto. Estão ao nosso alcance = textos, fotos, filmes, e o mais importante = não importa onde estamos. Refletir para quê? Ainda mais quando se considera este ato de refletir uma perda de tempo... E o tempo corre. Faz disparar a vida que chega sempre mais perto da morte.

O que importa, afinal, neste mundo em que cada segundo já não é mais segundo. É menos que segundo. Já desapareceu. Já está no próximo e que também se foi e foi o seguinte também .... O tempo não pára: ele nos controla, nos vigia, nos mata. O tempo manda falar! O tempo manda calar! O tempo manda e nos manda. O tempo é uma fração de espaço geográfico. Não conseguimos parar o tempo. Mas o tempo nos pára. E nós acreditamos que mandamos. É assim o mundo da comunicação: tudo gira em torno do tempo, da palavra e da imagem. E somos controlados por eles. Não somos nós que controlamos o tempo, a palavra e a imagem.

O poder de controlar o tempo a partir dos meios de comunicação, estabelece a melhor estratégia para controlar a informação, para persuadir a sociedade, de fazê-la pensar só em fragmentos e nunca enxergar o conjunto. Ou como diz Oliver Stone - O poder de controlar o fluxo da informação é o poder de controlar a forma como o povo pensa.

Por isto, pergunto-vos: qual foi a sensação que tiveram ao provarem do próprio veneno, chamado tempo? Isto é, qual foi a sensação que tiveram ao serem controlados, cortados, limitados, bagunçados com uma dezena de assuntos misturados sem finalizar nenhum deles? Foi bom? Foi instigante? Foi intrigante? Foi indignante? Foi irritante? Foi revoltante? Deu vontade de ir embora ou xingar o professor? Pois é! Se alguma destas sensações ocorreu com vocês, o seminário atingiu seu objetivo. Trata-se de um teste e de uma estratégia para percebermos como tratamos os receptores. E fica a pergunta: adianta trocar de canal se todos (ou quase todos) seguem este modelo?

A técnica usada nas atividades de hoje - batizei-a de a ditadura dos meios de comunicação. Não nos permitem falar, apesar de haver liberdade de manifestação de pensamento, liberdade de imprensa e de criação. Não nos concedem tempo, salvo quando ajudamos a construir o mundo que os outros querem e não o mundo que sonhamos. Sonhos e paixões no contexto da ditadura dos meios de comunicação – só daqueles que o controlam e não o dos que trabalham nele ou precisam dele para sobreviver.

E mais: o fato de não ter sido permitida a saída da sala após a entrada, é assim que procedemos com a população – depois que liga a TV, depois que liga o computador, depois que navega na internet, depois que liga o rádio, depois que abre o jornal, a revista, o livro – nossa pretensão na comunicação é prendermos literalmente os receptores e fazê-los assistir ou viajar ou ler ou ouvir ou procurar o que nós consideramos bom e pensamos que lhes seja útil. E dizemos – a população quer isto. Interessante, não! Fazemos a sociedade prisioneira da nossa comunicação, da nossa produção midiática. E ficamos indignados quando os outros nos prendem. E com o poder que nos é instituído a partir das técnicas de comunicação e de informação que aprendemos a dominar, transformamos todos em nossos prisioneiros. Ao invés de oferecermos a liberdade, persuadimos a sociedade e dizemos que mais do que nunca ela é livre em tempos de internet. Livre... para quê? É livre para viajar para onde a conduzimos e não para onde ela deseja. É livre para ler e ver o que permitimos. Lembrem que sensação de liberdade é diferente de ser livre.

Por isto, nas habilitações aqui representadas, nos transformamos em verdadeiros midiólatras, midiotas e tecnomaníacos e dizemos que precisamos viver desta forma porque do contrário estamos fora. Fora de que? Daquele mundo que os outros sonharam e desenharam para nós?

Trata-se de uma estratégia, fundamental para a prática eficaz da própria comunicação, que está relacionada com comandos e poderes.

Então aparece a palavra estratégia. Do grego strategos e refere-se a um general no comando de um exército. Strategos era o general na Grécia antiga que comandava suas tropas do alto da montanha, onde também estabelecia as táticas que seriam executadas para dominar o inimigo. A estratégia relaciona-se às habilidades psicológicas e comportamentais que conduzem o general à definição de suas manobras.

Na atualidade, a ideia de estratégia está ligada à visão total de uma situação, seus recursos e objetivos - condições quantificadas a serem atingidas e mantidas. Para isto, as profissões se tornam a grande estratégia: divide-se o conhecimento através das especializações, em que cada um faz uma pequena parte para ajudar a controlar o todo.

Isto se torna ainda mais palpável quando o Supremo Tribunal Federal diz RASGUE-SE A EXIGÊNCIA DE DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. A TRISTE CENA FOI A TRISTE SINA DO FINAL DE UMA HISTÓRIA COM CARTAS MARCADAS, cujo acórdão foi publicado em 13 de novembro de 2009.

Rasgou-se, em verdade, a liberdade de informação porque, grande parte dos meios de comunicação, vão optar por aqueles que não tiverem senso crítico diante da realidade.

Diante deste fato, o jornalismo e o jornalista precisam partir para a guerrilha para reencontrar seu caminho. Para isto são necessárias novas estratégias, novos traçados precisam ser forjados.

É preciso reconstruir, reinventar, repensar e fazer renascer o jornalismo. E um de seus caminhos é a guerrilha: guerrilha = significa guerra em pequena escala para ganhar terreno, avançar sem recuar, não importam as baixas, importam os espaços que serão conquistados a cada dia para virar esta página do jornalismo brasileiro. A guerrilha está deflagrada e há um caminho novo que é preciso conquistar, provavelmente a duras penas, para colocar esta profissão nos respectivos trilhos.

- É pela profissão que o indivíduo se destaca e se realiza, provando sua capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência, comprovando sua personalidade para vencer obstáculos.

- Pela qualidade do serviço prestado mede-se a qualidade do profissional.

Como dizia Marco Aurélio, imperador romano do século II da Era cristã:

“O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo”.

- É na profissão que o homem pode ser útil à comunidade e nela se eleva e destaca, na prática da solidariedade humana.

Cada ser humano, assim como a somatória deles em classe profissional, tem seu comportamento específico, guiado pela característica do trabalho a executar.

Para isto é exigível uma conduta humana especial denominada Ética e o exercício de virtudes dela decorrente.

O sentimento social é um imperativo na construção dos princípios éticos, e estes princípios são incompreensíveis sem o sentimento social.

Na comunicação não se pode ter o comportamento de Pilatos, lavando as mãos diante de um conflito estabelecido e dizer VOCÊS QUE SE ENTENDAM.

Na comunicação, há um princípio fundamental: a solidariedade social = isto é, antes de profissionais somos cidadãos. Jamais podemos nos descuidar do comprometimento com o que divulgamos.

Afinal, divulgamos o que somos.

Por falar em conflito, a quem interessa o conflito entre as categorias e entre os profissionais das categorias da comunicação? Interessa aos que estão no comando do processo da comunicação e nós nos deixamos dominar por este conflito. É naturalmente mais fácil governar e controlar a situação da comunicação com as categorias preocupadas com a concorrência do colega.

Se os jornalistas devem respeitar e honrar as palavras, os meios de comunicação devem respeitar o jornalismo, não usando seu nome em vão.

Se os publicitários devem evitar os abusos e os enganos, as agências e os meios de comunicação devem admitir essa possibilidade.

Se os relações públicas devem construir saídas para as crises, conflitos e confrontos, a organização deve estar disposta a contribuir com este processo.

Se o produtor em mídia audiovisual deve promover boas produções midiáticas, as empresas de comunicação devem ampliar seus espaços e garantir a veiculação das novas ideias.

Se jornalistas, RPs, publicitários e produtores em mídia audiovisual têm responsabilidades pelas quais devem responder, as organizações devem admitir a responsabilidade com o social.

ENTÃO, SIM, poder-se-á pensar na Ética.

Ética é uma construção coletiva: é somatório de atitudes.

Ética tem a ver com atitude, com escolha e com caráter.

Ética tem a ver com a sustentação de compromissos e não trair a confiança da sociedade.

Não se pode, por isso, ter medo de arriscar: mas, arriscar o quê? Arriscar ser Ético.

MAS...

Em nome da liberdade de informação produzem-se e divulgam-se mentiras. Em nome da liberdade de informação fala-se de imparcialidade, apesar do comportamento parcial.

Em nome da verdade, os meios de comunicação decidem o tipo de informação a ser entregue ao público.

Em nome de Deus, pede-se dinheiro. E quem diz que Deus quer dinheiro?

Em nome de vigiar o planeta através de vários sistemas – incluindo os da comunicação – conquista-se licença para matar.

Em nome da liberdade de imprensa, abre-se espaço para o sensacionalismo.

Pela palavra se absolve, mas também se condena.

Pela palavra e pela imagem se informa, mas também se desinforma.

Lembrem-se que tanto quanto o alimento do corpo físico, a falta ou o fornecimento contaminado da informação também mata.

Mentir - omitir - enganar - oferecer desinformação - até quando a sociedade irá tolerar isso?

Comunicação é a excelência do poder .....

Porém, o elo mais frágil desta corrente é a Ética.

Mas, sempre há uma esperança. Basta recordar Valter da Rosa Borges: A ética se imporá naturalmente, quando compreendermos que ela é indispensável à sobrevivência da sociedade.

Escrevam uma boa história, para a área da comunicação escrever uma boa história sobre vocês.

Isto porque, segundo Eduardo Galeano,

"Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos".

Ou então, conforme Leonardo da Vinci,

"Nada nos engana tanto como a nossa própria opinião".

E, para encerrar, convoco vocês a se apaixonarem pelo que um dia sonharam ser. Paixão é o que conduz a sociedade, os indivíduos e as profissões. Preparem-se todos os dias para os confrontos que a vida profissional irá lhes interpor, inclusive o fim da exigência de diplomas. Mas, cuidado com o próprio veneno. O desafio é este porque o tempo não pára.

Foi um privilégio e um presente da vida ter tido vocês como alunos. E foi um privilégio ter tido mais uma vez a oportunidade de discutir ética. Sejam discípulos éticos hoje, porque amanhã vocês serão seus mestres! Obrigado!

Grande Hélio Etges!

Obs: o texto fala em tempo, pois na última aula apresentamos o Seminário. E toda a apresentação é baseada em tempo: cronometrado, não devendo passar um segundo. Isso, obviamente, causa indignação em muitos, reclamações por todos os lados. O mais legal, porém, é que quando todos já estão com vontade de estrangular o professor por causa disso, ele vem com esse texto, desmoronando todo mundo. Por isso, é tão impressionante e emocionante a última aula.

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